Depois de, recentemente, arrecadar os galardões das edições de 2022 e 2023 do Concurso Nacional de Escanções e ter representado o país no ASI (Association de la Sommellerie Internationale) Bootcamp 2023 Americas, Marc Pinto, escanção do restaurante Fifty Seconds, do Myriad by Sana, em Lisboa, acaba de receber o reconhecimento maior do júri da Finalíssima do Concurso Nacional de Escanções Seleção Europa 2024. A iniciativa, que contou com organização da Associação de Escanções de Portugal e a erudição dos escanções Manuel Moreira (presidente do júri), Carlos Lopes, Manuel Miranda, Nelson Guerreiro, Nuno Ferreira, Octávio Ferreira, Manuel Faria e Victor Pinho, decorreu nos dias 16 e 17 de junho, no Fórum Romeira, na vila de Alenquer, em plena região dos Vinhos de Lisboa, e terminou na Cas’Amaro Wine Shop & Bar, na freguesia da Mata, Alenquer.
Prova seleção, prova escrita, prova organoléptica escrita, harmonização de comidas e bebidas, provas práticas de serviço de vinhos, serviço de bar, prova-surpresa, decantação, harmonia de comidas e bebidas, prova organoléptica e quiz são acções que os escanções tiveram de desempenhar durante este concurso, com o objectivo de levarem para casa a tão desejada medalha de ouro. Além de Marc Pinto, concorreram os escanções Ricardo Ferreira, actualmente no projeto Equally Delicious Catering, Diogo Sanches, do Le Monument Restaurant, no Porto – ambos conquistaram, respectivamente, o segundo e o terceiro lugares deste concurso –, Fábio Nico, do restaurante O Ermita, do Hotel Convento de São Paulo, na Serra d’Ossa, concelho de Redondo, e João Tiago Martins, do restaurante Teatergrillen, em Estocolmo, Suécia.
Sobre o concurso, Pedro Folgado, Presidente da Câmara Municipal de Alenquer, enaltece o quão importante é no âmbito da projecção de Alenquer enquanto parte integrante da região dos Vinhos de Lisboa, “uma marca diferenciadora do resto do país”, pelo vinho que aqui é produzido e pelas quintas que fazem parte deste universo vitivinícola. Em simultâneo, também motiva quem frequenta o Curso de Escanção leccionado no Museu do Vinho de Alenquer em parceria com o Turismo do Centro, a Comissão Vitivinícola da Região (CVR) de Lisboa e a Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste.
Para Francisco Toscano Rico, Presidente da CVR de Lisboa, esta finalíssima vem “impulsionar Alenquer e a região dos Vinhos de Lisboa. O facto de, durante este evento, terem imergido no território, percebemos que alguns já conheciam a região, mas não a fundo, enquanto para outros foi uma profunda descoberta, e o facto de virem à região de Lisboa significa que reconhecem Lisboa como uma região de excelência.”
Tiago Paula, Presidente da Associação de Escanções de Portugal, defende que a “realização do concurso em Alenquer coloca os Vinhos de Lisboa em destaque no panorama nacional, mas também internacional, uma vez que este evento foi transmitido em live streaming para todo o mundo, atraindo, assim, a atenção de profissionais e apreciadores de vinho de todo o mundo”.
Por seu lado, e enquanto participante desta finalíssima, Marc Pinto afirma que “a Associação [de Escanções de Portugal] tem vindo a equiparar-se com tudo o que se faz a nível mundial nos concursos. Não é que hoje seja mais difícil do que antigamente. Acho que hoje tem-se uma maior amplitude de concurso e a Associação [de Escanções de Portugal] está cada vez mais internacional”. Segundo o vencedor da Finalíssima do Concurso Nacional de Escanções Seleção Europa 2024, os candidatos denotam maior conhecimento sobre o mundo dos vinhos. “O nível vai aumentando de dificuldade também porque vão surgindo novas regiões no mundo, novas variedades de uva e novos conceitos.” Marc Pinto dá como exemplo as bebidas não-alcoólicas: “estão muito na moda e muitos de nós escanções ainda não estamos muito bem preparados para responder a questões técnicas sobre algumas dessas bebidas.”
Face ao resultado desta finalíssima, Marc Pinto sente o peso da responsabilidade a aumentar, declarando que “os meus colegas estão cada vez mais preparados como eu. Mas ganhar um campeonato não representa nada se não continuarmos a ganhar e não continuarmos com o foco no estudo. Quem tiver vontade de triunfar, tem de ‘incendiar a gasolina interior’, para ganhar o prémio no ano a seguir”, até porque “temos o concurso de melhor sommelier do mundo à porta, em 2026”, avança.
Porquê Alenquer? Alenquer é, para Tiago Paula, “‘Terra de Vinho’, com várias aldeias vinhateiras, paisagens vínicas surpreendestes e uma tradição secular de produção de vinhos, que também conta com uma grande diversidade de castas, tanto nacionais como internacionais, permitindo a produção de vinhos de grande qualidade”. A par com esta descrição, salienta “o grande interesse e entusiasmo” em receber a Finalíssima do Concurso Nacional de Escanções Selecção Europa 2024, “oferecendo todo o apoio e condições necessárias à sua organização, envolvendo ainda a parte formativa para os escanções, que reuniu muitos dos seus produtores, e em especial a Doc Wines Lisboa, que incluiu uma visita ao Montejunto para uma breve introdução sobre as caraterísticas gerais de Alenquer”.
Embora conhecesse já referências vínicas da região dos Vinhos de Lisboa, em relação à qual mantém “uma relação próxima com alguns produtores”, o escanção desconhecia “a parte geográfica”. Subir à Serra de Montejunto, local estratégico e de grande importância para esta região, fez “vivenciar o terroir, o território. Tivemos um dia fantástico! Conseguimos ver Peniche e as Berlengas, a Serra de Sintra… Esta é uma das melhores experiências que levo daqui. Aliás, tenho de voltar ao topo da Serra de Montejunto e provar os vinhos dos produtores das diferentes denominações de origem controlada da região dos Vinhos de Lisboa. Certamente que Lisboa estará no meu coração nos próximos tempos” e, quem sabe, um forte motivo para integrar mais vinhos na carta e nas harmonizações.
Neste contexto, Pedro Folgado aborda o papel preponderante dos escanções. “Hoje, o escanção aconselha, sabe aconselhar. Portanto, esta profissão faz todo o sentido num restaurante”, acrescenta. No entanto, para o Presidente do Município de Alenquer, cabe ao escanção ter uma maior sensibilidade em aconselhar vinhos de Lisboa nos restaurantes da região.
Marc Pinto nasceu em Soissons, em França, em fevereiro de 1990. Quem sabe se a proximidade a Reims, na emblemática região de Champagne, possa ter sido uma premonição. Afinal, já depois de ter “crescido em Santa Maria da Feira”, terra de origem paterna, e chegado à idade adulta, começa a ter contacto com a missão de escanção em restauração. “Em 2008, com 18 anos, conheci o escanção Vítor Pinto, o meu mentor, e, a partir daqui, a semente foi plantada.” Entra na Escola de Hotelaria e Turismo de Santa Maria da Feira, no curso de Restauração e Bebidas. Mais tarde, conclui o curso de Gestão Hotelaria, na vertente de Restauração e Bebidas, na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto.
“Quando ingressei no mercado de trabalho, percebi a dificuldade da profissão”, afirma o escanção, referindo-se a 2013, quando assume, pela primeira vez, a função de assistente de escanção. Este papel é desempenhado na Enoteca, restaurante de Barcelona, do chef Paco Perez. Segue-se o Lasarte, em 2015, ano em que a equipa deste restaurante catalão do chef Martín Berasategui está centrada na conquista das três estrelas do Guia Michelin. “Nessa época, acompanho essa equipa fantástica e tenho o privilégio de, em menos de um ano, ser o escanção principal. Sete meses depois de passar a escanção principal, o restaurante ganha a terceira estrela Michelin”, conta Marc Pinto, que contava ainda com o apoio incondicional do “maestro Juan Carlos Ibáñez”.
Depois de passar seis anos em Barcelona, Marc Pinto regressa a Portugal em 2018, para abrir o projecto gastronómico de Martín Berasategui, no último piso do hotel Myriad by Sana, instalado no topo da outrora Torre Vasco da Gama, no Parque das Nações. Nesse ano, assume a função de escanção principal. “Enquanto no Lasarte tinha uma liberdade condicional, isto é, podia fazer tudo dentro das barreiras do meu director de sala, no Fifty Seconds, foi liberdade total. Pude construir a garrafeira a partir do zero, onde estão hoje em dia, em stock, umas oito mil garrafas, mais ou menos uns 300 mil euros de inventário”, expõe o escanção.
A colheita mais antiga é da década de 1990, um Chateau Mouton Rothschild, do qual “tenho um par de garrafas”, o que não quer dizer que Marc Pinto se tenha aventurado em extravagâncias vínicas. Pelo contrário, “quis construir a garrafeira de um restaurante e não ir buscar vinhos muito antigos, porque não sabemos em que condições estão nem por onde viajaram. Portanto, no restaurante, a garrafeira vai ‘amadurecendo’. Quando o restaurante tiver 20 anos, a garrafeira estará no seu estado adulto. Para já, é uma criança”, esclarece.
Fora das quatro paredes do Fifty Seconds, Marc Pinto também se dedica à terra, mais concretamente à vinha de 0,5 hectares, da década de 1970, com as castas Baga, Maria Gomes, Cercial e Alicante Bouschet, comprada em 2018. “Terras de Sicó é uma paixoneta mais recente”, confessa, referindo-se a esta sub-região da região Beira Atlântico. “Foi algo do destino, foi quase encontrar a região hipster de Portugal, ou seja, podemos ser o que quisermos e fazer o que quisermos”, continua o escanção, que revela a vontade de aprender com quem lá está e possui conhecimento no âmbito da viticultura e da vinificação, bem como das condições edafoclimáticas. “Não vou para lá ensinar nada. No limite, quero fazer diferente. Quero ter a experiência do que é plantar uma vinha.” Recorre aos enólogos da região, para saber quais as castas recomendadas e tem vindo a produzir vinho todos os anos, desde 2018. São field blends, ou seja, vinhos feitos a partir da mistura de castas que está vinha. Das seis colheitas, “a melhor é a de 2023. Ficou com a frescura que gosto nos vinhos e o álcool que a região gosta de ter e uma acidez controlada. O enólogo que me ajuda é Nuno Martins da Silva”, nome associado, entre outros, à Quinta do Rol e ao Monte Bluna, dois produtores da região dos Vinhos de Lisboa.
Entretanto, Marc Pinto tem em mãos outro grande desafio, o ASI Best Sommelier of Europe and Africa, a decorrer entre 10 e 15 de Novembro deste ano, em Belgrado, na Sérvia. Já Lisboa será, em 2026, palco do ASI Best Sommelier of the World, que, nas palavras de Tiago Paula, “contribuirá para consolidação da posição de Portugal como actor de destaque no cenário vitivinícola global e também para a afirmação da imagem dos escanções portugueses. Nesta competição vão estar os melhores sommeliers da Europa e nós, enquanto país produtor, temos uma responsabilidade acrescida, daí estarmos a preparar várias masterclass com várias temáticas a que Marc Pinto estará sujeito durante este concurso. Esta estratégia de preparação tem sido desenvolvida em parceria com a Associação dos Escanções de Portugal e apoiada pela Viniportugal e pelo Instituto da Vinha e do Vinho”.
O ASI Best Sommelier of the World é igualmente uma ocasião favorável para “pôr o foco do mundo no território e na região de Lisboa, pôr o foco em Portugal. Vai ser uma oportunidade absolutamente única em termos cá os melhores dos melhores e criar uma relação de proximidade com os escanções de todo o mundo”, remata Francisco Toscano Rico.