Uma estrela Michelin é um feito. Duas estrelas Michelin é incrível. Doze estrelas Michelin é tão desmesurado que já entra num patamar à parte. Não é comida, é bailado. Doze é precisamente o número de galardões do famoso guia gastronómico que o chef espanhol Martín Berasategui apresenta no seu currículo com mais de 47 anos de experiência. Uma dessas estrelas pertence ao restaurante Fifty Seconds, que fica em Lisboa, no topo da Torre Vasco da Gama. Mas já lá vamos.
A primeira vez que ouvi falar do chef Berasategui foi na minha lua de mel, no México. O resort onde ficámos era em regime tudo incluído, e quando digo tudo, era mesmo tudo — inclusive americanos de 100 quilos a beber 50 margaritas às dez da manhã na piscina. Porém, um dos restaurantes tinha um menu de degustação com um preço fixo.
A minha mulher quis experimentar. Eu achei que não valeria a pena e por isso tentei convencê-la de que não fazia sentido pagar por uma refeição num all inclusive e que esse dinheiro daria para comprar canecas a dizer “I love (coração) Riviera Maya” para oferecer aos amigos secretos, pelo menos até ao Natal de 2049.
A minha senhora respondeu, “cala-te e reserva”, e assim ficou bastante claro quem ia dar ordens lá em casa, quando regressássemos da lua de mel. Quando chegámos ao restaurante descobri duas coisas: que se chamava “Passion” — que, como toda a gente sabe, quer dizer em castelhano “gastar dinheiro desnecessariamente” — e que tinha a assinatura do chef Martin Berasategui. Aí fiquei mais contente. No final, quando veio a conta, até disse à Filipa que tínhamos tomado uma ótima decisão em conjunto. A refeição foi realmente extraordinária e valeu cada peso mexicano que os convidados do nosso casamento pagaram.
Oito anos mais tarde, volto a cruzar-me com a mestria deste chef multipremiado, a 120 metros de altura com uma vista panorâmica sobre a cidade de Lisboa, onde nos recebeu com a maior das simpatias. Aproveitei a ocasião e contei-lhe que jantei no seu restaurante em Playa del Carmen, quando ainda (só tinha) ganho 8 estrelas Michelin.
“Ah, esse tivemos de fechar por causa da pandemia”. E acrescentou: “Mas vais ver que este é ainda melhor. Se não for, no final, não pagas a conta!” Sorri e durante dois segundos fiquei a pensar que haveria uma possibilidade de ter de pagar a conta no final, o que me deixou ligeiramente aterrorizado. Mas logo depois o chef deu uma gargalhada e eu também, aliviado por não ter de ficar a lavar pratos que, por sinal, são só por si, pequenas peças escultóricas.
Uma refeição no Fifty Seconds, não é para todas as carteiras, convenhamos. Ainda assim, de acordo com a revista “Chef’s Pencil”, Portugal é o quinto país mais barato para fazer uma refeição num estrela Michelin e neste caso vale mesmo, mesmo a pena o investimento. Almoçar ou jantar no Fifty Seconds — assim chamado porque é este o tempo que demora a viagem do piso zero até ao topo da Torre Vasco da Gama — é participar numa experiência inesquecível que começa quando somos recebidos pela simpática hostess que está no lobby, junto ao elevador e se prolonga por muito mais do que apenas cinquenta segundos. Da decoração sublime ao serviço irrepreensível de cada um dos funcionários, passando pela vista sem-igual, este é seguramente um dos ex-libris gastronómicos da capital portuguesa.
Falemos então do que realmente importa quando nos juntamos à mesa de um restaurante: a comida. Além do serviço à carta, o Fifty Seconds oferece dois menus de degustação, sem bebidas, um de 175€ e outro de 195€, que se recomendam já que permitem usufruir ao máximo do conceito de fine dining, deste espaço. Os menus diferenciam-se por oferecerem 9 ou 13 momentos e são preparados pelo chef executivo Filipe Carvalho, que me deu a provar o menu mais completo. O chef aveirense é o braço direito de Berasategui e, aos comandos do Fifty Seconds, tem total margem de manobra para brilhar através de criações próprias. Esta dedicação aliada à mentoria do chef catalão reflete-se bem no resultado final, que não podia ser mais impressionante.
Começámos com brandade de bacalhau com maionese de manzanilla e yuzu, mil-folhas caramelizado de foie-gras, maçã verde e enguia. Continuámos com percebes e caviar a que se juntou jalapeño com gelado de alcaçuz e maionese de pepino — que eu pedi para substituir porque sou esquisitinho, por maionese de tomate. Seguimos a nossa viagem com vieira corada, creme de couve flor, espuma de manteiga noisette, com caviar Oscietra, que estava divinal. Juntou-se depois um carabineiro grelhado, que o chef recomendou que fosse comido com as mãos “para poderem chupar a cabeça no final”. E se até este momento eu já estava rendido a toda esta experiência sensorial, foi aqui que levei a estocada final.
Ter a prerrogativa de almoçar num restaurante com estrela Michelin em que o chef nos faz sentir livres para desfrutar de uma iguaria como se estivéssemos em nossa casa, é o sonho de qualquer ser humano que goste de boa comida. Mas a procissão ainda ia no adro, porque depois deste momento — e já depois de lavar as mãos no WC com a melhor vista de sempre — ainda provei a pescada “al pil pil” de ervas finas e um salmonete com gamba do Algarve e jus de salmonete, de uma cremosidade indescritível.
Isto apenas no departamento do mar, já que para finalizar este festival de sabores faltava chegar o prato de carne. E assim pousou na nossa mesa o pombo Royal com chutney de maçã e funcho, ravioli recheado com duxelle de crepes e molho Périgord, que estava no ponto e fechou na perfeição os pratos principais.
Como sobremesa, uma composição de maçã, gelado de baunilha com trufa negra e noz pecan, a que se seguiu uma mini torre de petits-fours, só mesmo para acicatar a gula e levar os clientes a dizer “rendo-me”.
Todos estes incríveis pratos não podiam ser acompanhados por uma garrafinha de água. Até podiam, mas era um ultraje. Por isso, seguimos a sugestão de harmonização preparada pelo head sommelier Marc Pinto, que contou com propostas da Nova Zelândia como o Framingham Classic Riesling, que foi o meu favorito; do Alentejo; de Valdeorras; do Dão; de Lisboa e ainda uma sidra da Normandia-Domaine Lesuffleur la Folletière cujo nome já dá logo vontade de beber— e que acompanhou de mãos dadas com as sobremesas.
No final da refeição pedi um café, contemplei o rio e cheguei à conclusão que Fifty Seconds não é só o tempo que levamos a subir o elevador. É também o tempo que demoramos a apaixonar-nos por este excecional restaurante e, suspeito, o que já só falta para receber a segunda estrela Michelin.