Com poucos dias de diferença, Lisboa ganhou dois restaurantes italianos de peso. Sentámo-nos ao balcão de um para jantar e à mesa do outro para o almoço.
O que têm em comum os dois novos restaurantes italianos de Lisboa? Talvez mais do que se possa imaginar, apesar de serem bem distintos na hora de comer. São vistosos e bonitos, têm bom ambiente, um grande balcão como chamariz e ambos ficam em zonas movimentadas da cidade. O Rocco abriu no Chiado, no novo cinco estrelas The Ivens Hotel, e o Allora é o restaurante do agora também cinco estrelas Epic Sana Marquês (o hotel reabriu recentemente depois de umas obras de ampliação e melhoramento). À sua maneira, prometem marcar o pulsar da cidade.
Apesar de só agora abrirem portas, a ideia para estes dois restaurantes é muito anterior à pandemia, numa altura em que a cidade borbulhava, como parece estar a voltar a acontecer mesmo que os tempos hoje se mantenham incertos. “Analisámos várias possibilidades e notámos que em Lisboa fazia falta um restaurante italiano assim. É verdade que há vários restaurantes italianos na cidade, mas faltava um que marcasse” começa por explicar Victor Braz, director-geral do Epic Sana Marquês, acreditando que o Allora se vai destacar “pelas pastas e o ambiente", mas também pela conjugação de alternativas. Tanto se pode fazer uma refeição completa, como optar por um lugar no grande balcão de mármore com vista para a cozinha e pedir um copo de vinho ou vermute para acompanhar uma selecção de queijos (22 euros) ou charcutaria (20 euros) italianos.
É tudo preparado no momento, com todo o cuidado que a alta-cozinha exige, mas sem as regras apertadas que a çaracterizam. O Allora é uma trattoria italiana que conjuga sofisticação e descontracção nas doses certas, explica Flávio Granja Coelho, director de Food&Beverage. “Tanto há pratos simples no empratamento, como outros que são mais elegantes. Não queremos ser alta-cozinha. mas isso não significa que o serviço não seja cuidado. Aliás, tem de ser”, acrescenta.
Na cozinha, está o che/Francesco Francavilla, que trabalhou nos últimos anos no Vetro, o restaurante italiano do hotel de cinco estrelas The Oberoi, em Bombaim (índia). Antes disso, duas experiências muito díspares: foi durante uns tempos che/privado do actor Bruce Willis e trabalhou no La Pérgola, o restaurante com três estrelas Michelin em Roma.
“O projecto para o Allora vem desde 2017 e o processo da escolha do chefé de 2019. Foram seguramente mais de 50 candidatos, mas queríamos um perfil muito específico, um chefcamaleão, com experiência define dininge de trattoria", conta Flávio Granja Coelho. Além disso, era importante que fosse italiano com experiência internacional, diz Victor Braz.
Francesco Francavilla é natural de Roma, mas na carta do Allora tem pratos de várias zonas do seu país. Nas entradas, o ovo panado com alcachofra e redução de creme parmesão e trufa (18 euros) tem sido a sensação, tal como o creme de batata e alho francês, carabineiro e trufa (22 euros), talvez por serem diferentes do habitual. Já nas pastas, não faltam clássicos como as tagliatelle alia carbonara (29 euros), com trufa, parmesão e guanciale crocante, ou o tortello ricotta e spinaci (23 euros), uma massa fresca recheada com ricota e espinafres e sálvia frita. Mas como bom italiano, há espaço na carta também para os risotos, onde sobressai o allastice (32 euros). com bisque de lavagante, salsa picada e chalota.
Nos pratos de peixe e carne, são várias também as opções, do filete de robalo grelhado com batatas no forno e legumes baby (29 euros) às almôndegas black angus com tomate e salsa (24 euros). Na dúvida, deixe-se aconselhar pelo chef, que não poupa nas idas à mesa se assim for preciso. Independentemente do caminho que escolher, guarde espaço para os doces - ou será que consegue resistir ao cannolo siciliano (10 euros), com musse de ricota e granola de pistáchio? Se optar pelos gelados, saiba que é tudo feito em casa. Não por acaso, no restaurante, onde brilha uma laranjeira no meio da sala, há uma zona diferenciada, com um balcão exclusivo para as sobremesas.
Por agora, o Allora só funciona aos jantares, mas a ideia é que em breve possa abrir para almoços, como acontece no Chiado com o Rocco. que funciona, na verdade, durante todo o dia - e durante todo o dia significa também ao pequeno-almoço (todos os dias das 06h30 às 10h30), onde pode pedir à carta ou entregar-se ao banquete de hotel (35 euros), com bebidas quentes e irias, cesto de pâo e pastelaria (tudo feito em casa, inclusive os croissants, a que Rui Sanches, fundador do grupo de restauração Plateform, não poupa elogios), queijos e charcutaria, selecção de ovos ou cereais e fruta. O verdadeiro rebuliço, porém, começa a sentir-se na hora do almoço. Ainda na ma, ali ao lado do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, chama a atenção a fachada do hotel e os grandesjanelões que deixam transparecer um ambiente que tem tanto de boémio como de requintado. Abrem-se as portas e tudo parece chamar pela nossa atenção. Lázaro Rosa-Violán, quejá havia surpreendido com os interiores do JNcQUOI Avenida ou da Massimo Dutti da Avenida da Liberdade, excedeu-se em tudo o que fez neste restaurante e a decoração tomou-se também motivo de romaria - dificilmente haverá sítio mais instagramável e vibrante na cidade neste momento. Ao centro, um majestoso balcão com 17 lugares, onde se evidenciam veludos, cores fortes e motivos florais. É aqui que fica o Gastrobar, com uma garrafeira suspensa e uma carta que quer recuperar a tradição de se comer ao balcão, com ou sem pressas, refeições completas ou simplesmente tábuas de queijos e enchidos. Para beber, o negroni é “o” cocktail, feito por quem tão bem sabe: Femão Gonçalves, o chef de bar, que antes esteve no Pesca, de Diogo Noronha.
“O objectivo aqui é ter muitos pratos de Lisboa, como o bacalhau à Brás (21 euros) os pastéis de bacalhau (19 euros) ou as amêijoas [da Ria Formosa] à Bulhão Pato (27 euros). Tivemos a preocupação de fazer um balcão com cozinha portuguesa”, explica Rui Sanches, para quem este Gastrobar vem reforçar o que de alguma forma já se faz no Tapisco ou na Sala de Corte, restaurantes do grupo que comanda. “É uma tradição lisboeta que caiu em desuso nos últimos anos."
Mas sendo o Rocco um restaurante italiano, também ao balcão é possível pedir alguns dos pratos disponíveis na sala de baixo, o Ristorante, ou no Crudo, um recanto ao lado, onde o marisco é acompanhado por champagne, espumante ou prosecconão é um acaso que o ambiente deste espaço mais pequeno, disposto em forma de anfiteatro e com mesas na escadaria, seja mais veranil. “Eu acho que este espaço vai ser sempre mais de noite e mais Verão que Inverno, mas estou contente por termos tomado esta decisão. Causa diferenciação, pão há nenhum crudo barem Lisboa", aponta o CEO da Plateform. E descreve alguns dos petiscosservidos aqui: “ostras do Sado [9 euros/3 unidades], casco de sapateira [18 euros], tártaro de atum [22 euros], ceviche de corvina [21 euros], cocktail de camarão [19 euros]”.
Se a parte da cozinha portuguesa teve o dedo de Luís Gaspar, o chefda Sala de Corte, a cozinha italiana está entregue a Ricardo Bolas, que estava anteriormente na Zero Zero, também do grupo. Os pratos são “mais do Norte de Itália, Veneza, Milão”. E o melhor é que não salte as entradas, óptimas para se partilhar, do carpaccio de lombo de novilho (22 euros) ao bife tártaro trufado (25 euros) ou o vitello tonatto (20 euros). Nos pratos principais, também aqui as pastas são feitas à mão e há opções mais fora do comum, como um ravióli de sapateira, com bisque de marisco e coentros (32 euros). Nos risotos, o risotto aifunghi (24 euros) é servido com parmigiano reggiano DOP15 meses e azeite de trufa branca. Na secção dos clássicos, entra um robalo alta ligure (34 euros), com batata e tomate assado, azeitona kalamata e manjericão, e um ossobuco com risoto de açafrão (36 euros).
Nas sobremesas, Clayton Ferreira, o chef de pastelaria, que também esteye no Pesca e melhorou as sobremesas da Zero Zero e da Sala de Corte, dificulta-nos a escolha. O que apetece é pedir tudo, mas, na impossibilidade de o fazer, o cheesecake Rocco, com morangos e framboesas marinadas, sorbetejusde morango (16 euros/2 pax) nãò desilude e é uma boa amostra do que pode pedir num regresso. Afinal, o Rocco é um só restaurante, mas guarda em si uma imensidão de possibilidades, conjugações e experiências, convidando a vários regressos. Aconteça o que acontecer, não saia sem passar pela casa de banho. A sugestão parece-lhe inusitada? É que não queremos que passe ao lado daquelas que serão possivelmente as casas de banho mais bonitas da cidade. Nas escadas de acesso, papel de parede e carpete casam de forma a tudo parecer o mesmo. Já lá dentro, os lavatórios são uma peça única e esculpida à medida e os azulejos evocam a fauna e a flora dos trópicos. É aqui que se esconde uma porta que em breve poderá dar acesso a outra yertenfe do restaurante. Resta saber o quê.